
Durante três anos, a psicóloga Ana Cristina ouviu histórias de amor de mulheres encarceradas em presídios mistos no Sul de Minas. Entre os assuntos, verdadeiros desabafos de presas que desejam ser amadas. Conversas que agora fazem parte de dois livros, que foram lançados na última quinta-feira (5), em Poços de Caldas (MG).
Ana Cristina Costa Figueiredo, de 34 anos, é pós-doutoranda em psicologia pela Universidade do Porto; além de doutora em Psicologia, mestra em Psicologia Clínica e especialista em Terapia de Casal e Família. A autora é nascida em Capitólio (MG), mas já vive há 18 anos em Poços de Caldas.
‘Amor entre as grades’ e ‘Paixões Aprisionadas’ são resultados do trabalho desenvolvido por ela nos presídios de Andradas (MG) e Poços de Caldas (MG). Escritos durante a pandemia, os livros abordam histórias de encarceradas que desejam ter e poder se relacionar de modo afetivo-sexual com outras pessoas.
Produção dos livros
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A ideia e o processo de produção de ambos foram baseados na experiência de Ana Cristina, enquanto atuava como psicóloga no sistema prisional sul-mineiro, entre os anos de 2014 e 2017.
“Os livros não são sobre mim, eles são sobre essas pessoas aprisionadas e elas precisam ser escutadas. As vozes delas precisam ser reverberadas”, reforça a escritora.
‘Amor entre as Grades: Relacionamentos Afetivo-Sexuais de Mulheres em Presídios Mistos’ foi escrito entre 2017 e 2020. O livro tem uma linguagem mais acadêmica, já que foi baseado em estudos para uma tese de doutorado.
Ana conta que depois de ter publicado o primeiro livro, em 2020, ela percebeu que ele interessava principalmente o público acadêmico e profissionais do sistema prisional. Além disso, a escritora ressalta que o assunto precisava e, ainda precisa, ir mais longe.
“Eu queria que o conhecimento e a experiência que eu tive, tudo o que senti, o que eu vivi, pudesse ser passado para as pessoas de outra forma também”, conta Ana Cristina.
E foi assim que surgiu ‘Paixões Aprisionadas: Histórias de Amor Vivenciadas por Mulheres no Cárcere’, direcionada ao público de maneira geral. A segunda obra foi publicada em 2021 e tem intenção de ser uma leitura mais leve e acessível. O livro é composto por histórias baseadas nas impressões que ela teve enquanto trabalhou nos presídios.
Experiência no cárcere
Nas análises de Ana Cristina, um cuidado para não deixar a sensibilidade de lado. A psicóloga reforça que além de regras institucionais, as presidiárias sofrem inúmeros afastamentos sociais durante toda a vida.
“Nos atendimentos psicológicos, o que elas relatavam era sempre esse desejo de amar, de poderem amar e de serem amadas. Eu percebia que a vida toda delas, elas buscaram isso; e os depósitos afetivos estavam sempre vazios”, conta a escritora.
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Para a sul-mineira, foi um privilégio ser transformada ao escutar cada trajetória de vida. “Eu acredito que, o mínimo que eu posso fazer, é tentar transmitir para as outras pessoas um pouquinho daquilo que eu vivi, que me transformou profundamente”.
Mulheres em presídios mistos
Desde o lado de fora, a vida das mulheres é marcada por múltiplas violências, como agressões físicas, verbais e psicológicas. Dentro do presídio, a situação não muda. Apesar de comportar homens e mulheres, na maioria das vezes, esses espaços provocam a invisibilidade das encarceradas.
“Acredito que vários fatores são produtores de desigualdade, de violação de direitos, de violência. […] Vários se interseccionam e, então, acabam intensificando a vulnerabilidade na vida dessas mulheres”, explica a psicóloga.
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Ana Cristina ressalta que, ao analisar estatísticas ligadas às mulheres nas prisões, foi possível perceber que a maioria delas compartilha o mesmo perfil. São condenadas por crimes como furto, roubo e tráfico de drogas. São mulheres jovens, muitas vezes mães, e que, sobretudo, se assemelham em raça, etnia e classe social.
“São histórias únicas e observamos as opressões, violências, negligências que marcam aquela trajetória de vida. Quanto a essa busca pelo amor, é universal. (…) É possível identificar muitas semelhanças entre essas mulheres e cada um de nós, seres humanos”, comenta Ana.
Preocupação social
A psicóloga acredita que, de maneira geral, as pessoas não se atentam muito ao que acontece nas prisões. “São lugares que são invisibilizados, vidas aprisionadas, são vidas para as quais nós não desejamos olhar”.
“É muito mais fácil colocar a culpa pelo aprisionamento, exclusivamente no indivíduo, sem analisar os fatores sociais que estão envolvidos, sem perceber a nossa contribuição inclusive para que a nossa sociedade funcione desse jeito”, ressalta Ana Cristina.
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Durante o tempo vivenciado no sistema prisional, a escritora percebeu que faz parte de sua missão levar essa reflexão para as pessoas. A psicóloga ressalta o poder da empatia, que age como uma engrenagem e, aos poucos, vai mudando a sociedade.
“É uma luta que, muitas vezes, é extremamente desafiadora por conta do preconceito. Muitas pessoas não estão muito abertas para ouvirem e analisarem tudo isso de forma mais complexa. Quem sabe como formiguinha, aos poucos, eu não vou proporcionando essas reflexões?”
Lançamento dos livros
A escritora havia marcado o lançamento das obras para a sexta-feira (6), entretanto, a estreia dos livros foi adiantada.
O evento de lançamento acontece na quinta-feira (5), às 19h, na Casa do Colono – Café & Bistrô. O local fica no interior das Thermas Antônio Carlos, localizada à Praça Dr. Pedro Sanches, no Centro de Poços de Caldas.
As obras são destinadas a todos aqueles que se interessam por temas que perpassam a vida humana, como a formação e o rompimento dos vínculos afetivos, as relações de poder e, sobretudo, o amor.
Via: G1.