
Em julho de 1958, profissionais tiveram que desafiar a engenharia em uma das obras mais complexas já realizadas no país até hoje: a Usina Hidrelétrica de Furnas. Hoje, a criação está localizada entre os municípios de São José da Barra e São João Batista do Glória.
Mas para que a construção estivesse completa, Juscelino Kubitschek, o então presidente visionário, estava prestes a mudar o curso do rio. Diversos municípios e propriedades teriam que ser desapropriadas. Oito mil casas, 0,4% do território de Minas inundado e 33 municípios parcialmente alagados — 22,59 bilhões de m³ e uma área de 1 440 km².
Na antiga vila denominada Barra Velha — até então distrito de Passos e logo depois Alpinópolis —, construída no encontro do Rio Grande e Rio Sapucaí, as águas chegaram em 9 de janeiro de 1963, quando o então presidente João Belchior Marques Goulart, conhecido popularmente como Jango, ordenou o fechamento das comportas da Usina. Depois disso, o Lago de Furnas já começava a se formar, subindo aproximadamente um metro por hora. Em apenas 48 horas, boa parte da cidade já estava inundada.
Os ‘negociadores’ ficaram responsáveis por convencer as pessoas a deixarem suas residências: ‘’Olha meu senhor, isto aqui é muito importante para o Brasil, o país precisa de suas terras’’. E assim, às famílias foram deixando suas propriedades, uma a uma, com a certeza que suas vidas mudariam para sempre e que dali só restaria a velha nostalgia. Casas, estradas e pontes desapareciam em meio às águas.
Moradores locais não acreditavam que aquilo pudesse ser real, não acreditavam e não imaginavam que pouco tempo depois tudo aquilo estaria a muitos metros debaixo d’água. Diversas pessoas que resistiram, foram acordadas com a água já invadindo suas casas. Assim, com muita angústia foram sendo retiradas de barcos e helicópteros.
A água subia rapidamente, inundando e cobrindo tudo que via pela frente. Famílias chorando, desoladas, desesperadas, preocupadas e aflitas, é o que descreve aquele momento. Um misto de medo e raiva.
Moradores afirmam que a desocupação não foi pacífica. José Carlos Emerenciano, quando avistou a água chegando perto rapidamente, pegou uma corda, amarrou em uma mangueira que tinha em seu quintal e se enforcou. Preferiu tirar a própria vida do que viver em um mundo que para ele não fazia mais sentido.
Clarice, proprietária da Fazenda Corredeiras de Furnas, foi símbolo de resistência contra a construção da usina. Dona Dárci, como era mais conhecida, conseguiu atrasar a construção da hidrelétrica em seis meses. O próprio presidente precisou enviar uma carta escrita à mão para ela e a convidar para uma viagem ao Rio de Janeiro. Quando voltou, Dona Darci cedeu as terras.
Os moradores foram levados ao novo povoado. Até então, a vila era distrito de Alpinópolis, apenas em 21 de dezembro de 1995 foi instalado o município de São José da Barra. Hoje com mais de 7.000 habitantes, a cidade é uma das mais ricas do Sudoeste de Minas Gerais devido ao ICMS da Usina Hidrelétrica.
O novo arraial foi planejado e construído a pedido do padre Ubirajara Cabral, pároco local, em forma de banjo. Na mudança, muitas pessoas ficaram depressivas, pois tiveram de largar suas casas e terras, além de vendê-las por preços baixos, já que a água iria cobri-las.
O local não possuía saneamento básico, asfalto e rede elétrica, apesar de estar vizinho a maior hidrelétrica do mundo daquela época, onde seria construída uma vila para os funcionários de Furnas com toda a infraestrutura, inclusive hospital, cinema e clube, benefícios que não poderiam ser desfrutados pelos habitantes da Nova Barra.
Hoje, devido a usina construída em solo mineiro, a região acumula desenvolvimento e lembranças de um passado recente. Mas a usina representa muito mais que isso. Atualmente, Furnas é considerado o Mar de Minas, um paraíso entre as montanhas que não para de ganhar admiradores.
Em meio a conquistas e devastações que a primeira grande hidrelétrica do país nasceu. Porém, para que o progresso viesse, muitas histórias foram literalmente parar embaixo d’água. Saudade: palavra mais ouvida dos antigos moradores.
Montamos um acervo com registros de um tempo e lugar que não existe mais.
Por Valter Junior.