
No dia 26 de novembro de 2021, uma mãe desabafou em suas redes sociais sobre a morte do filho e comoveu a web. Denise Cabistani relatou em seu Facebook, como foi receber a notícia da morte do seu filho Walter, conhecido como Waltinho, uma das vítimas do incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS).
Atualmente, a publicação possui mais de 188 mil curtidas, 28 mil comentários e 91 mil compartilhamentos.
Segundo o relato da mãe, Waltinho teria conseguido sair da boate, porém voltou para ajudar os amigos.
Leia a postagem:
”Passava um pouco mais das 2h30min da madrugada, do dia 27/01/2013 quando recebi uma ligação da minha filha, Fernanda, que estava no Mato Grosso, me perguntando se o Waltinho estava em casa. Eu disse que não. Que tinha saído lá pela 1h para ir na Boate Kiss. Perguntei porquê? Ela me disse: “Mãe liga pro Waltinho e vê se ele está bem. Minhas amigas estão me ligando dizendo que a Boates Kiss está pegando fogo. Desliguei o celular e comecei a ligar para o meu filho. Ele nada de atender. Minha filha me liga novamente, querendo saber se eu havia conseguido falar com ele. Eu disse não. Ela me falou, então acorda o pai pra ir ver, porque já tem 80 mortos. Eu paralisei. Chamei meu marido, mas não conseguia falar, tentava e não conseguia. Até que reagi e falei. Daquele momento em diante começamos uma correria atrás dele. Fomos até a boate e não nos deixaram passar, mas vimos a labareda de fogo, pessoas carregando, jovens desacordados. Fomos em todos os hospitais, e nada. Ficamos em frente ao Hospital de Caridade, ouvindo a leitura dos nomes e nada do nosso filho. Eu estava em estado de choque. Parecia que aquilo não era real. Não queria aceitar. Vi um grupo enorme de enfermeiros, indo em direção ao hospital. A noite e o dia todo ouvindo sirenes tocando, ambulâncias do SAMU e caminhões do quartel, transportando os corpos. Era um cenário de guerra. Amigos ligavam querendo saber do Waltinho. Meu marido desolado, cuidava os caminhões que chegavam trazendo os corpos. E nada. Eu fui para casa, para atender o telefone, caso alguém ligasse, nos dando alguma notícia. Alguém ligou, dizendo que tinham visto o Waltinho entrar caminhando no hospital. Meu marido deu entrada do nosso filho no hospital e juntamente com outros amigos começaram a procurar em todos os lugares do hospital, e nada. Assim foi até às 17h de domingo, no último anúncio da Polícia Civil, falaram o nome dele. Meu marido me liga, aos prantos e diz: “achei ele, Morena. Achei ele”. Até aquele momento eu só pensava que ele poderia estar com alguma queimadura e que estaria internado, no hospital. E meu marido disse: “ tá aqui jogado no chão, com a perninha dobrada”. “Nosso filho se foi”, dizia ele, chorando muito.
Meu filho não iria na boate, até receber uma ligação de um amigo, que conseguiu entradas para área Vip. De um grupo de cinco(5) amigos, nenhum sobreviveu. Meu filho não teve uma queimadura, nenhum machucado. No velório fiquei sabendo, que ele conseguiu sair da boate, mas voltou para ajudar os amigos.
Meu filho amado, eu estava contigo quando abriste teus olhinhos, pela primeira vez. Mas não pude estar ao teu lado quando fechaste pela última vez. Isso dói muito e nunca vai sarar”.

O que aconteceu?
Há 10 anos o País lidava com um dos incêndios mais trágicos da sua história, que ocorreu durante o show da banda Gurizada Fandangueira na Boate Kiss em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Foram 242 vítimas e outros 636 feridos que tiveram suas trajetórias marcadas ou finalizadas pelas chamas.
Investigações constataram que o princípio do incêndio na apresentação pirotécnica do vocalista da banda, Marcelo de Jesus dos Santos, ocorreu por meio do uso de um sinalizador que solta faíscas brilhantes, chamado sputnik.
Os fogos soltados no interior do local atingiram a espuma de isolamento sonoro no teto alastrando o fogo que passou a expelir uma fumaça tóxica, com componentes como cianeto, causando a morte por sufocamento de boa parte das vítimas.
Além da fumaça e do fogo, a falta de ventilação no ambiente, saídas de emergência e extintores de incêndio vencidos também tornaram a fuga impossível. Outra questão foi que diversas vítimas foram impedidas de deixar o local pelos seguranças por ordem dos donos que temiam que não pagassem a conta. Por conta da negligência, os dois sócios do local também respondem pelo crime.

Dentre as quatro pessoas que foram acusadas estão, além do músico Marcelo Santos, os sócios proprietários da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Lodeiro Hoffmann, e o produtor musical da banda, Luciano Augusto Bonilha Leão, que comprou os fogos de artifício.
As famílias que lidam com suas perdas lutam até hoje por justiça visto que todos os acusados continuam soltos. Em outubro de 2022, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho decidiu pela anulação do júri dos quatro. Eles foram soltos e ainda esperam por novo julgamento.
Em entrevista na época, Flávio José da Silva, que presidiu a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) e é pai de Adrielle Silva, vítima do incêndio, disse que esperava a redução das penas, mas não a anulação. “A gente vem lutando há praticamente dez anos e a gente já perdeu algumas batalhas, mas a guerra é muito grande”, disse.
Como está o processo judicial no momento?

O crime pelos quais respondem os quatro réus se trata de homicídio um dolo eventual, ou seja, quando se assume o risco de matar. Segundo a tese de acusação, é deste crime que se trata o caso da Boate Kiss, a partir do show de pirotecnia e também das negligências da gerência da boate na estrutura para casos de emergência.
O primeiro júri do crime ocorreu em dezembro de 2021 com um processo de 19 mil páginas e um júri popular formado por sete pessoas, que decidiu pela condenação dos quatro réus por 242 homicídios simples com dolo eventual e 636 tentativas de assassinato.
Spohr, um dos sócios da boate, havia recebido uma condenação de 22 anos e seis meses de prisão em regime fechado, enquanto Mauro Hoffmann, também sócio foi condenado a condenado a pena de 19 anos e seis meses de prisão. Santos e Leão receberam uma sentença de 18 anos.
Os réus tiveram um habeas corpus concedido pela 1.ª Câmara no mesmo ano, mas o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), na época, Luiz Fux, suspendeu a medida.
No entanto, em agosto de 2022 a 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça anulou o júri após receber os recursos da defesa. O placar da votação foi de dois a um pela anulação. Os acusados foram soltos pela justiça após oito meses presos e seguem assim até hoje.
O Ministério Público e a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) entraram com recurso especial contra a anulação junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outro extraordinário junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos aguardam o julgamento.