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Minas tem 15 barragens em risco construídas com mesmo método de tragédias

Minas tem 15 barragens em risco construídas com mesmo método de tragédias - Foto: reprodução
Minas tem 15 barragens em risco construídas com mesmo método de tragédias – Foto: reprodução

Das 43 barragens em alerta ou emergência em Minas Gerais, 15 (34,8%) foram construídas no método a montante, considerado o menos seguro pela engenharia. Na prática, as mineradoras constroem a represa em cima do rejeito. Pela característica desse tipo de matéria, há risco de deslizamentos, sobretudo em períodos chuvosos. Não por acaso, os colapsos de Brumadinho e Mariana ocorreram durante a temporada de precipitação, em janeiro e novembro, respectivamente. As duas represas foram alteadas a montante.

Segundo o cruzamento de dados feito pela reportagem, são cerca de 95,3 mil pessoas vivendo nos arredores desses 15 barramentos a montante em estado de alerta ou emergência, que acumulam 384,2 milhões de metros cúbicos de rejeito.

Outras 19 barragens em risco foram construídas em etapa única. Esse modelo de engenharia, geralmente, é usado para estruturas menores, justamente porque não permite alteamento (ampliação) constante. São 156 mil pessoas nos arredores dessas estruturas, que abrigam 46,5 milhões de metros cúbicos de rejeito.

Minas tem 15 barragens em risco construídas com mesmo método de tragédias - Imagem: reprodução
Minas tem 15 barragens em risco construídas com mesmo método de tragédias – Imagem: reprodução

Dois outros métodos de construção estão incluídos na lista de barragens em alerta e em emergência da ANM. São quatro represas com alteamento a jusante (o contrário do a montante, com o rejeito em cima do alteamento); e outras cinco com elevação por linha de centro, engenharia que soma características a montante e a jusante.

No caso do alteamento a jusante, considerado o mais seguro, ainda que represente risco por se tratar de uma barragem de mineração, são cerca de 44 mil pessoas morando no raio de 10 quilômetros das quatro represas ameaçadas. Juntas, elas somam 87,8 milhões de metros cúbicos de rejeito.

Já nas cinco barragens alteadas por linha de centro são aproximadamente 1,5 milhão de pessoas vizinhas do risco de tragédia. Essas cinco represas abrigam 6,7 milhões de metros cúbicos de rejeito.

Governança

Responsável pela fiscalização do setor, a ANM exige a entrega, por parte das empresas, de um documento que comprova a segurança das barragens em março e setembro de todos os anos, denominado Declaração de Condição de Estabilidade (DCE). Segundo a base de dados da agência, porém, apenas 16 das 43 represas em alerta ou emergência em Minas estão com o DCE aprovado. Ou seja, 63% das estruturas ameaçadas ignoraram o prazo da autoridade ou não tiveram suas declarações aprovadas.

Para o professor de engenharia de minas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Evandro Moraes da Gama, o problema também passa pela fiscalização. Segundo ele, historicamente, a ANM sempre conviveu com a falta de pessoal. “Eu sinto que a ANM não tem técnicos suficientes para a quantidade de barragens que existem no Brasil. É ridículo. Em 2022, o governo abriu vagas, hoje preenchidas. Mas a disponibilidade da ANM, para um país deste tamanho, é humanamente impossível”, afirma.

Sobre o dado de 1,8 milhão de mineiros vivendo nos arredores de barragens em alerta ou em emergência, o especialista aponta que o problema se agrava por conta das limitações habitacionais do país. “Todos os empreendimentos minerários têm as chamadas áreas de servidão, delimitações geográficas escolhidas pelas empresas para instalar a mina longe da população. Depois dos eventos de Mariana e Brumadinho, foi dada uma atenção maior a esse fato. O que acontece, também, é que a população cresce e se instala nessa área. É uma prática constante durante os anos”, diz

Possível solução

Para o professor Evandro Moraes da Gama, o maior erro das empresas de mineração no passado foi a escolha pelo depósito de rejeito em barragens. O docente, inclusive, é contra a denominação “rejeito”. “A verdade é que a barragem não é indicada em cenário algum. O correto é tratar o rejeito logo após a produção dele. Já está errado de chamar assim. É um coproduto”, afirma.

No âmbito da pesquisa, Evandro criou o projeto “Rejeito Zero”, que tem o objetivo de usar o material armazenado em barragens como matéria-prima de outros produtos, usados, por exemplo, na construção civil. “Cito a China, que hoje trabalha com tratamento de rejeito para transformar 80% dele em outros produtos, como porcelanato, outros tipos de pisos e até material para pavimentação de estradas. Uma parceria entre o público e o privado seria bem-vinda no Brasil. Basta vontade de lado a lado”.

Apesar disso, o professor admite que é preciso uma mudança de cultura, também, entre os empresários do setor. “As mineradoras têm o hábito de demitir engenheiros e contratar advogados para ficar nesse jogo (de empurra) durante os anos. Há uma pressão muito grande, porque o cara é demitido porque não quer fazer um procedimento menos seguro”, diz.

Duas barragens de Indústrias Nucleares do Brasil foram classificadas em nível 1 de emergência em MG

A unidade de Caldas (MG) da INB (Indústrias Nucleares do Brasil) teve duas barragens classificadas em nível 1 de emergência pela Agência Nacional de Mineração (ANM).

A agência classifica as barragens em três níveis de emergência, sendo que a barragem de Caldas está no menor deles.

Segundo informações da empresa e da própria ANM, a reclassificação das barragens em nível 1 de emergência aconteceu devido a uma lei aprovada em dezembro do ano passado que repassou à ANM a responsabilidade pela fiscalização das estruturas.

Porém, conforme documento interno da INB enviado a órgãos reguladores, foram encontrados problemas nas barragens, inclusive na chamada “D4”, que antes era uma bacia de decantação e agora também foi classificada como barragem. O documento apontava um “início de situação de emergência”.

Barragem de exploração e trabalho de urânio em Caldas (MG) — Foto: Divulgação/INB
Barragem de exploração e trabalho de urânio em Caldas (MG) — Foto: Divulgação/INB

Vistorias encontraram problemas

Segundo informações do site da ANM, as barragens passaram por uma fiscalização mais recente no dia 12 de junho.

Na barragem D4, foram encontrados problemas na estrutura extravasora, percolação com umidade, falhas na proteção de taludes e trincas ou assoreamento na drenagem superficial. A barragem não possui um plano de ação emergencial e por isso foi classificada em nível 1 de emergência.

Já a vistoria na barragem de rejeitos também apontou pontos a ser melhorados no sistema de percolação, falhas na proteção de taludes e falta de drenagem superficial. No entanto, essa barragem não apresenta problemas no plano de segurança. Mesmo assim, foi classificada como nível 1 de emergência.

Barragem de exploração e trabalho de urânio em Caldas (MG) — Foto: Divulgação/INB
Barragem de exploração e trabalho de urânio em Caldas (MG) — Foto: Divulgação/INB

Conforme a ANM, quando a barragem recebe a classificação de nível 1 (NE1) é porque não está adequada estruturalmente. Se a empresa não corrigir os problemas, ela pode ser reclassificada para o nível 2 (NE2), ou “não controlado”. O nível máximo é o NE3, que é quando a ruptura é inevitável ou está ocorrendo.

O que diz a empresa e as autoridades

Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) informou que já está em contato com a Agência Nacional de Mineração (ANM), que já está tomando as providências necessárias junto com a empresa e com a auditoria em geotecnia externa VTB. A ANM, em conjunto com o Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) está se articulando para que as barragens retornem ao status de normalidade, conforme a resolução 95/22, aumentando, assim, o nível de segurança. O MPF também informou que os dados atuais indicam que não é caso de evacuação, segundo o órgão regulador.

Já a assessoria de comunicação da INB informou que não há fatos novos no documento e que ele diz respeito a um enquadramento da barragem devido à fiscalização dessa estrutura ter sido atribuída à ANM via lei 14.514, de dezembro de 2022.

Barragem de exploração e trabalho de urânio em Caldas (MG) — Foto: Divulgação/INB

A empresa também destacou que a barragem é permanentemente monitorada e possui um Plano de Ação de Emergência, que faz parte do Plano de Segurança de Barragem (PSB).

Confira abaixo a nota da INB na íntegra:

Nota de Esclarecimento

A Agência Nacional de Mineração – ANM, com a promulgação da lei 14.514 de dezembro de 2022, passou a regular e fiscalizar as estruturas de mineração das unidades da Indústrias Nucleares do Brasil – INB. Desta forma, no dia 7 de junho, a INB incluiu no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração – SIGBM a Barragem de Rejeitos e no dia 12 de junho, a Barragem D4 da Unidade em Descomissionamento de Caldas – UDC, que ficaram enquadradas no nível 1 de emergência, o menor na escala de três níveis.

É importante ressaltar também que a D4 foi construída como bacia de decantação, mas que recentemente foi reclassificada como uma barragem. Os critérios para definição dos níveis de emergência são estabelecidos pela Resolução ANM n° 95/2022. A aplicação desses critérios aos dados dessas duas barragens da INB em Caldas resultou no enquadramento no nível 1 de emergência. A INB reforça que não houve nenhuma ocorrência nessas barragens, apenas a mudança quanto ao órgão fiscalizador e as adequações a essas classificações e documentações

A empresa destaca que as barragens são permanentemente monitoradas. De acordo com o Plano de Ação de Emergência (PAE), que faz parte do Plano de Segurança de Barragem (PSB), os órgãos de segurança devem ser avisados, o que foi realizado através de ofício. A INB reforça a integral determinação no atendimento aos requisitos estabelecidos pela ANM e às recomendações de consultores geotécnicos contratados pela empresa.

A INB aproveita este momento para reconhecer o empenho e as orientações firmes e profissionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, a qual regulou e fiscalizou as estruturas até essa data. Também aproveitamos para tranquilizar a população de que não há nenhum risco iminente quanto à segurança.

A INB em Caldas

Segundo informações da INB, a Unidade em Descomissionamento de Caldas – UDC, inaugurada em 06 de maio de 1982, foi a primeira unidade de extração e beneficiamento de minério para a produção de concentrado de urânio no País, a etapa inicial do Ciclo do Combustível Nuclear. As atividades de produção dessa unidade cessaram em 1995 devido às características do minério associadas às condições do mercado.

A UDC compreende uma área de 1.360 hectares e está localizada no município de Caldas, sul de Minas Gerais. Atualmente é realizado o controle dos materiais remanescentes da mineração e beneficiamento de urânio através do tratamento de água ácida, do gerenciamento de resíduos e rejeitos sólidos, da gestão de segurança de barragens, da gestão ambiental da área, incluindo recomposição da vegetação, da gestão da segurança dos trabalhadores e do monitoramento radiológico e ambiental da região.

Barragem de exploração e trabalho de urânio em Caldas (MG) — Foto: Divulgação/INB
Barragem de exploração e trabalho de urânio em Caldas (MG) — Foto: Divulgação/INB

Ainda conforme a empresa, simultaneamente ao controle da instalação, a UDC vem executando diversas ações de descomissionamento, como a desmontagem e demolição de áreas industriais, a disponibilização de áreas atualmente usadas no tratamento de águas ácidas para suas recuperações ambientais, assim como a definição das melhores soluções de descomissionamento para a cava da mina, barragens e pilhas de resíduos de mineração. Essas soluções serão descritas em um Plano Ambiental de Descomissionamento, nos termos da regulamentação ambiental, e em um Plano de Abandono, nos termos da regulamentação nuclear.

Minas Gerais tem 28 barragens em situação de emergência

Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais

Sete anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, que matou 19 pessoas e colocou em alerta as demais estruturas no Estado, outras 28 barragens estão em situação de emergência em todo o território de Minas Gerais. O levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), que foi atualizado pela última vez em 13 de outubro deste ano, indica que dezessete barragens estão ao nível 1, sete ao nível 2 e quatro ao nível 3, que é considerada a classificação que indica a situação de colapso. Cenário este que preocupa especialistas e também quem mora próximo a estas estruturas. A chegada do período chuvoso – quando ocorreram os rompimentos de estruturas em Mariana e Brumadinho – é uma preocupação a mais, alertam especialistas.

Evandro Moraes da Gama, engenheiro de Minas e professor do Departamento de Geotecnia e Transportes da Escola de Engenharia da UFMG, explica que a chuva aumenta o risco de rompimento de barragens, assim como ocorre em outras obras de terra.  Para evitar outras tragédias no período, o engenheiro orienta que não se pode carregar as barragens, tampouco fazer obras de retiradas ou depositar materiais terrosos, ou de rejeito.

Aquelas barragens inativas, entretanto, apresentam um nível menor desde que não haja essa remoção rejeitos, frisou. “Em períodos de chuva existe uma influência de mais água no sistema. Além disso, os vereadores podem não comportar a vazão. É muito mais perigoso”, alertou o especialista em segurança de barragens e professor na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez.

O fato de as barragens serem classificadas por níveis também não é bem-visto por especialistas. “Não tem que ter nível de emergência. Isso demonstra para a gente que existe uma falha no sistema de gestão”, aponta a engenheira geotécnica Rafaela Baldi Fernandes. Para ela, ainda que percentualmente os números sejam baixos, já que o Estado possui 534 barragens relacionadas à mineração e às indústrias, essa classificação só ocorre devido a uma sucessão de erros, que vão de falhas no projeto até no modelo de operação. “Para chegar no nível 3, um dia ela foi nível 2 e nível 1. Ou seja, teve uma negligência quando era um problema pequeno, fácil de resolver. Isso foi empurrado até chegar na condição atual”, completa Fernandes.

A avaliação da situação das barragens em Minas Gerais se intensificou em 2019, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que causou 270 mortes e provocou destruição em parte da bacia do Rio Paraopeba. Em resposta a essa tragédia, ocorrida três anos após a de Mariana, um pente-fino foi feito nessas estruturas e muitas barragens perderam suas declarações de estabilidade. Essa reavaliação, que aponta os riscos de cada barragem, foi impulsionada pelos órgãos de fiscalização, como a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Ministério Público, que estabeleceram a Lei Estadual 23.291/2019.

Com isso, várias barragens passaram a ser classificadas com o nível 1 de emergência e tiveram que ser paralisadas. Nos casos mais graves, classificados pelo nível 2 ou 3, as empresas responsáveis tiveram que evacuar todo o perímetro que seria alagado em eventual tragédia e reparar a população. Foi o que ocorreu com Elida Geralda Couto, de 36 anos, moradora de Barão de Cocais, na região Central de Minas Gerais. A estagiária de medicina veterinária está fora de casa há três anos e quatro meses. Ela foi obrigada a deixar a residência onde vivia com os pais e uma tia, na comunidade de Socorro, depois da movimentação no talude da barragem Sul Superior da mina de Gongo Soco, em 2019.

“Saí de um lugar onde a gente tinha convivência, onde eu conhecia todo mundo. Se você me perguntar como chamam os meus vizinhos de hoje, eu não sei. Conheço de vista, mas de nome e de conversar, eu não sei. Ter a amizade, eu não tenho”, conta Élida. A estagiária de medicina vive, hoje, junto a sua família, em uma casa alugada pela Vale.

Para o especialista em segurança de barragens e professor na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez, esse levantamento não é feito da maneira mais adequada, já que não é possível classificar todas as barragens existentes, uma vez que, segundo ele, não existe uma estrutura organizacional e de fiscalização capaz de verificar todas as estruturas. “Hoje, o estado brasileiro consegue saber quantas barragens tem no país por causa de satélite, mas essa fiscalização em todas não é feita porque falta gente. E isso é complexo, já que é muito difícil de ser analisado porque são estruturas complexas, diferentes”, aponta.

Martinez acredita que mesmo diante da impossibilidade de fiscalizar todas as estruturas, foram muitos os ganhos desde a implantação da lei. “ Existem dois mundos: o real e o ideal. No ideal, o Estado teria que ter estrutura para fiscalizar, mas não é assim. O mundo real é aquele em que as mineradoras contratam empresas de consultoria, que fazem essas análises. Elas dão um laudo e esse documento é válido, sim, já que elas fizeram uma série de estudos até a divulgação do resultado”, justifica.

A Lei 23.291/19 criada para avaliar a situação das barragens também determina o fim das estruturas que utilizam o método a montante, o mesmo das barragens do Fundão e de Brumadinho, que se romperam, respectivamente, em 2015 e 2019. O modelo, de baixo custo de construção, onde os diques de contenção se apoiam sobre o próprio rejeito, é considerado ultrapassado. Por isso, a norma aponta a necessidade da “descaracterização de todas as barragens de contenção de rejeitos e resíduos” no Estado.

O segurança de barragens e professor na Universidade Federal de Itajubá (Unifei) Carlos Barreira Martinez destaca o papel da lei e disse que se mantém otimista em relação à segurança das barragens. No entanto, ele aponta que a condição ideal dessas estruturas deve se tornar realidade apenas em longo prazo. O professor acredita que esse processo pode ocorrer em até mais oito anos. “Esse processo é demorado. Para desmontar uma estrutura, você tem que fazer isso devagar. Quem mora próximo tem que ficar em alerta”, sugere. (O Tempo)

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