
Espécies de árvores de grande porte, como ipês, jequitibás e castanheiras-do-Pará, estão em risco de desaparecer de seus habitats naturais nas florestas tropicais da América do Sul, incluindo a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica. A conclusão vem de dois estudos científicos publicados nas revistas Science e Nature, com participação de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
As pesquisas alertam que, embora os biomas tropicais tenham capacidade de resistir à crise climática, a velocidade das mudanças no clima ultrapassa a capacidade natural de adaptação das espécies, especialmente das árvores de grande porte.
Biomas tropicais não acompanham o ritmo das mudanças climáticas
A principal descoberta dos estudos é que a lentidão no processo de adaptação pode impedir a regeneração natural de espécies-chave. O monitoramento de longo prazo realizado em parcelas permanentes de vegetação — áreas florestais acompanhadas há décadas — mostra que árvores jovens dessas espécies não estão mais surgindo nas florestas.
“Essas árvores funcionam como antes, mas perderam eficiência. Não conseguem investir em raízes, troncos e galhos e acabam morrendo sem deixar descendentes”, afirma o professor Carlos Alfredo Joly, da Unicamp.
A professora Simone Aparecida Vieira, também da Unicamp, complementa: “Muitas dessas árvores não completam o processo de recrutamento — ou seja, de produzir sementes viáveis e crescer até a fase adulta — devido à maior sensibilidade na fase jovem”.

Por que espécies como a castanheira-do-Pará estão desaparecendo?
A castanheira-do-Pará é um exemplo emblemático. Segundo os pesquisadores, não estão sendo encontrados exemplares jovens da espécie na Amazônia, o que sugere um processo silencioso de extinção.
Essas árvores, por terem madeira de alta densidade, crescem lentamente e são mais vulneráveis a eventos extremos como secas e ondas de calor. Isso agrava sua capacidade de regeneração em um ambiente de mudanças climáticas aceleradas.
As florestas continuarão existindo, mas com espécies diferentes
Embora o cenário pareça alarmante, os cientistas explicam que o desaparecimento das espécies atuais não implica no fim das florestas tropicais. O que deve ocorrer é a substituição das espécies menos adaptadas por outras mais resistentes ao novo clima.
“A substituição já era esperada, mas está ocorrendo de forma muito mais lenta do que o necessário. Isso deixa as florestas tropicais mais vulneráveis às mudanças climáticas”, explica Simone Vieira.
Reflorestar não é o mesmo que restaurar
Para os especialistas, restaurar uma floresta exige mais do que simplesmente plantar árvores. É necessário entender quais espécies estão preparadas para sobreviver ao novo clima. Caso contrário, os esforços de reflorestamento podem ser ineficazes.
“Plantar espécies que não suportam os novos padrões climáticos é jogar sementes ao vento. Precisamos estudar melhor a resiliência das árvores antes de restaurar as áreas degradadas”, alerta Simone.
Impactos no ecossistema e na biodiversidade
A extinção local de árvores de grande porte afeta diretamente toda a cadeia ecológica, incluindo animais dispersores como pássaros, morcegos, cutias e pacas, que dependem dessas árvores para alimentação.
“Sem essas árvores, os frutos desaparecem, e com eles, os animais que os consomem. É um efeito cascata que leva à perda da biodiversidade”, afirma Joly.
As árvores também regulam o clima
As florestas tropicais são fundamentais para o ciclo da água e o equilíbrio do clima global, por meio de processos como a evapotranspiração, que contribui para a formação de nuvens e chuvas.
Com a redução da cobertura florestal e o comprometimento da sua saúde, diminui a capacidade das florestas de estocar carbono e manter os ciclos de chuva, afetando até mesmo regiões distantes.
“Se o carbono não estiver armazenado nas florestas, ele volta à atmosfera, intensificando o aquecimento global”, explica Simone.
Ameaça múltipla: clima, desmatamento e queimadas
Além dos efeitos das mudanças climáticas, as florestas tropicais ainda enfrentam pressões como desmatamento, queimadas e exploração predatória, que aceleram a perda de espécies e dificultam a regeneração natural.
“Mesmo as áreas não diretamente afetadas por ação humana ainda sofrem com o estresse climático. A combinação dessas ameaças coloca o futuro das florestas tropicais em risco”, finaliza Joly.
Proteger e restaurar com inteligência ecológica
A mensagem dos estudos é clara: as florestas tropicais estão mudando — e rápido demais. Para garantir sua sobrevivência, é necessário adotar estratégias de conservação baseadas em ciência, com foco na restauração de ecossistemas adaptados às novas condições climáticas.
O que está em jogo não é apenas a beleza de espécies como os ipês e jequitibás, mas o equilíbrio climático do planeta e a preservação da vida como a conhecemos.