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Entenda o que é e como funciona o ‘novo papanicolau’ que começa ser usado no SUS em maio

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Entenda o que é e como funciona o ‘novo papanicolau’ que começa ser usado no SUS em maio - Foto: reprodução
Entenda o que é e como funciona o ‘novo papanicolau’ que começa ser usado no SUS em maio – Foto: reprodução

A história do rastreamento do câncer do colo do útero no Sistema Público de Saúde (SUS) do Brasil ganha um novo capítulo a partir do próximo mês. É que um novo modelo de testagem para a detecção do HPV, vírus causador de 99% dos casos desse tumor, será implementado em Pernambuco, se estendendo gradativamente a outros Estados. Minas, inclusive, demonstrou interesse em adotar o teste nessa fase inicial, conforme o Ministério da Saúde. O tradicional papanicolau será substituído pelo exame molecular de DNA-HPV. Na prática, o usual esfregaço usado para obter material celular do colo do útero da paciente dará lugar à coleta de fluidos e tecido vaginal em nível molecular por meio de um “swab”’, uma espécie de cotonete.

O novo formato ainda permitirá a autocoleta, em que a mulher receberá um kit com instruções para recolher a própria amostra. Essa modalidade já é adotada por países da Europa e da América da Norte para a prevenção ao câncer de colo do útero. Desde 2021, o teste molecular também é recomendado como exame primário para detecção do HPV pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por ser mais eficaz na redução de casos do tumor e mortes. Segundo a entidade, o modelo possui maior sensibilidade — capacidade de precisão de diagnóstico — que o papanicolau, o que favorece a identificação precoce de infecção pelo HPV.

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, as últimas análises para a validação clínica do kit de testagem RT-PCR serão realizadas neste mês no Instituto Nacional de Câncer (Inca). “A previsão é alcançar 435 mil mulheres ao longo de um ano. A expansão do rastreamento molecular ocorrerá gradualmente em todo o país ao longo de 2025 e 2026, período em que serão realizados treinamentos e capacitações das equipes, além da organização da rede de saúde, incluindo a definição da logística de coleta e análise dos exames nos laboratórios” revela a pasta em nota encaminhada à reportagem.

Diferenciais

O papanicolau — criado pelo médico grego George Papanicolaou em 1928, com eficácia comprovada em 1941 —revolucionou a saúde da mulher e motivou o declínio de 70% na incidência de câncer de colo de útero no mundo. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda o teste para as mulheres sexualmente ativas a partir dos 25 anos. No entanto, segundo a coordenadora de Ginecologia e Obstetrícia da Rede Mater Dei da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Cláudia Soares Laranjeira, o exame citopatológico é totalmente médico-dependente.

“A gente faz uma raspagem do colo do útero, coleta células e as encaminham para uma lâmina, onde por meio de um microscópio serão avaliadas. Neste processo, é possível identificar alterações que indicam presença cancerígena. Mas com o passar do tempo, os estudos perceberam a correlação íntima do tumor ginecológico com o vírus do HPV e entenderam que era possível mudar o rastreamento da doença baseando-se na presença ou na ausência do Papilomavírus Humano,” conta Cláudia.

A médica destaca que um dos grandes diferenciais do teste molecular é o intervalo do rastreio. “Se uma mulher apresentou, por exemplo, dois resultados negativos do exame DNA-HPV, ela pode dar um espaçamento para fazer a coleta de 5 em 5 anos. Isso é um avanço, porque hoje a gente não consegue fazer anualmente o tradicional exame citopatológico para as mulheres até 30 anos, o que representa um problema de saúde pública.”

Avanços

Um aspecto visto como progresso por Mariana Seabra, professora da Faculdade Ciências Médicas da UFMG e membro da diretoria da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas (Sogimig), é que o exame molecular de DNA-HPV aperfeiçoará o mapeamento das pacientes.

“Uma das maiores limitações do monitoramento no Brasil é que a gente trabalha com o rastreamento oportunístico. A paciente é que decide quando irá fazer o teste. Não existe uma busca ativa. Com a possibilidade da autocoleta, você permite que a mulher colha o material e envie para um laboratório. Ela não precisa se deslocar do domicílio para ir à uma unidade básica de saúde. Além disso, a gente vai conseguir acompanhar essa paciente com HPV positivo e saber onde ela está.”

A professora enfatiza que esse formato de rastreio será ainda mais benéfico para atender o público que mora em áreas remotas. “As regiões Norte e Nordeste, onde há muitas pessoas com limitação financeira e geográfica, são justamente os locais com a maior incidência do câncer de colo de útero e maior mortalidade pela doença. É uma realidade totalmente diferente do Sul e Sudeste, por exemplo. O motivo dessa diferença está muito relacionado a cobertura de rastreamento. Então, a autocoleta aumentará o acesso à prevenção, de forma segura e sensível.”

Outro ponto alto destacado pela médica é a celeridade de resultados. “O teste papanicolau demora em torno de dois a três meses para poder voltar para a usuária, porque é manual e sua realização depende de especialistas. Por causa disso, há uma grande demanda. Já pelo fato de o exame molecular ser mais automatizado, os diagnósticos tendem a ser mais rápidos. O que nós temos que desenhar é esse fluxo pós-resultado, principalmente se der alterado. Qual paciente tem que voltar para o serviço no próximo ano? Quem tem que aprofundar no rastreamento com outros exames?”

Como funciona a autocoleta

Mariana explica que a autocoleta não é um processo complexo e pode ser feito por qualquer pessoa. “A mulher vai introduzir o “cotonete” na vagina e fazer uma simples rotação. Não tem necessidade de inseri-lo em algum outro orifício. Depois disso, basta guardar imediatamente o “swab”, porque não pode haver a degradação do DNA. Vale destacar que em caso positivo para o vírus, o papanicolau deve ser usado para complementar o diagnóstico. Então, o exame tradicional não será completamente abandonado,” realça.

Necessidade de investimento

Apesar das vantagens listadas, as especialistas acreditam que para se alcançar bons resultados e a efetividade pretendida, o Brasil terá que investir. “É uma mudança de cultura. Então demanda investimento financeiro para a produção e distribuição dos kits, além de incentivo às campanhas educativas. Precisamos reforçar a atenção primária de saúde nas diversas regiões, das mais remotas até os grandes centros. Num primeiro momento, essa mudança de chave pode parecer mais cara, mas se a gente fizer a conta de todos os tratamentos de câncer que vamos evitar, talvez esse custo não seja tão maior assim,” enfatiza Cláudia Soares Laranjeira.

Para Mariana Seabra, o processo de transição exigirá muita atenção e cuidado para não comprometer o rastreio. “A gente deve lembrar que cada região, estado e município do Brasil tem uma realidade. Então, a estratégia de mudança precisa contemplar especificamente as necessidades e capacidades deles. Além disso, é preciso investir e incentivar a vacinação contra o HPV. O câncer de colo é prevenível de maneira primária pela imunização. Os países que conseguem essa conscientização, reduzem os indicadores do tumor. No Brasil, a gente precisa aumentar a cobertura vacinal para o público de 9 a 19 anos. Temos a vacina disponível no sistema público, mas as pessoas não estão se protegendo,” finaliza. 

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