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Homem se forma em medicina aos 90 anos, após sofrer AVC

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Homem se forma em Medicina aos 90 anos, após sofrer AVC – Foto: redes sociais

Se chegar aos 90 anos é um grande feito, imagine chegar aos 90 anos formando em Medicina meses depois de um acidente vascular cerebral (AVC), que deixou sequelas. O empresário e agropecuarista Valdomiro de Sousa, goiano de Caldas Novas e com passagem generosa por Cristianópolis, antes de aportar em Goiânia aos 16 anos, chegou lá. “Era um sonho de criança, mas não pude realizar antes porque era pobre”, conta ele com um largo sorriso. A comemoração dupla está marcada para o próximo dia 16 quando ele pretende reunir toda a família, amigos de longa data e os colegas e professores da nova profissão. “No dia do meu aniversário de 90 anos vou vestir a beca”, comemora.

Valdomiro, primo em primeiro grau de Iris Rezende Machado, ex-governador e ex-prefeito de Goiânia, é um rosto conhecido. “Sempre fui muito próximo do Iris, nossos pais eram irmãos. Me tornei uma espécie de seu secretário particular”, explica. A proximidade com o primo o levou a transitar com frequência por gabinetes seletos, mas seu orgulho está na própria trajetória de vida. “Quando cheguei em Campinas, Goiânia estava começando. Trabalhei como servente de pedreiro e depois fiz caixão para de cujos”, diz ele, sorrindo. De cujo é uma expressão latina usada na área jurídica para definir uma pessoa que morreu.

Um curso de Ciências Contábeis foi o pulo do gato na vida do futuro médico. Ele faz questão de citar o nome de Buran Helou, o dono do escritório com 25 empregados que o acolheu somente para “aprender”. “Entrei limpando o chão, mas ficava com o dono até tarde no escritório e fui aprendendo o ofício até virar gerente”. Quatro anos depois, aceitou o convite para ser o gerente e o contador da Móveis Aurora, uma das empresas clientes de Buran, que fez história em Goiânia. Além de ganhar mais, teria direito à comissão de 1% sobre as vendas. Assim começou a guardar dinheiro que o transformou num grande empresário. No percurso, ainda se graduou em Direito.

Com altivez Valdomiro fala da fazenda Canaã do Xingu, de 10 mil alqueires, em Querência (MT), onde planta soja. Mas há muitos outros negócios, como a sociedade de uma empresa de mineração de nióbio em Catalão e a propriedade de uma das unidades do Atacadão, em Goiânia, que está arrendada. Mas, por que a esta altura da vida ele resolveu cursar Medicina, um curso que leva tempo e exige dedicação? “Eu não tinha dinheiro antes”, afirma, antes de contar que mensalmente paga mais de R$ 9 mil pelo curso. Ele veste o jaleco e mostra o estetoscópio, o instrumento de trabalho que utiliza nas aulas práticas. “Você não tem ideia do quanto sou feliz na faculdade!”. Ele está concluindo o curso na Universidade Alfredo Nasser (Unifan).

Não foi fácil atingir o objetivo. “Tentei três vezes o vestibular e em todas fiz inscrição escondido da minha filha.” Caroline Consuelo de Sousa, cardiologista, tentou evitar que o pai seguisse a sua profissão por entender que é um trabalho que exige muita entrega e abnegação. “Fiz Medicina não por uma questão de aparecer ou status, mas para aprender.” Uma das profissionais que o acompanha no cotidiano, Ana Rita, confessa que também tem aprendido muito com ele em quase um ano de convivência. “Ele tem muita sabedoria. É focado e determinado, estuda muito”.

Projetos

Aos quase 90 anos, Valdomiro de Sousa não apenas estuda. Ele trabalha muito também. Nada escapa de sua atenção, mesmo com grandes equipes à frente dos negócios. “Ele está sempre ao celular e no computador acompanhando tudo”, conta Ana Rita. Ele já tem planos para logo após o aniversário. “Vou começar o projeto de construção de oito torres residenciais com mil apartamentos, nas proximidades da Avenida Rio Verde.” Mas, quem pensa que o curso de Medicina foi apenas um deleite, se engana. “Vou montar dois consultórios, um em Goiânia e outro em Querência para atender idosos”, revela. Para ele, trabalho é uma virtude. “Se eu parar de trabalhar, vou começar a morrer.”

Força de vontade

A memória de Valdomiro de Sousa impressiona, assim como a força de vontade para vencer o AVC que o acometeu em fevereiro deste ano e o deixou acamado por meses, dependendo de sondas. As sequelas motoras e de fala vieram e ele foi obrigado a se afastar da faculdade. No retorno, recebeu ajuda dos colegas e dos professores. “Minha convivência com eles é uma maravilha!”. Ainda são visíveis as dificuldades de locomoção e de linguagem, mas ele está convicto de que os obstáculos serão vencidos em pouco tempo. As sessões de fisioterapia e de fonoaudiologia são diárias e incluem o aprendizado de acordeon para exercitar as mãos.

Empolgado com a comemoração que vai marcar seus 90 anos e a graduação em Medicina, Valdomiro de Sousa lamenta que a irmã mais velha, Iolanda, que morreu há cerca de dois meses, aos 92 anos, não estará presente. Se recuperando do AVC, ele só recebeu a notícia cinco dias depois. Ele chora ao falar da perda. “Ela estava muito orgulhosa de mim e contava para todos: ‘Que alegria o Du fazer Medicina’.” No dia da celebração, como detalha, quatro fotografias estarão sobre a sua mesa: a dos primos Íris e Orlando, este último foi seu sócio; do cantor Leandro; e da irmã, Iolanda.

Casamento com miss

Na imensa casa no Jardim Ana Lúcia, em Goiânia, Valdomiro conta com a companhia de seis colaboradores, desde seguranças à cuidadoras e cozinheira. Com frequência recebe a visita das filhas Karina, advogada, e Caroline, médica. Ele conta que se casou uma única vez e “com uma miss”, diz sorrindo. Ele conheceu Anísia Gasparina Fonseca no Distrito Federal. Ela tinha vencido o concurso de Miss Brasília em 1967 e por muito pouco não se tornou Miss Brasil, numa época em que o certame era revestido de grande glamour. A história dela entrou para os anais do concurso e foi veiculada na revista Manchete. Sob os protestos do público que lotava o ginásio do Maracanãzinho, Anísia não foi coroada.

“As vitórias não precisam de explicação. Mas, no concurso para a escolha de Miss Brasil 1967, de sábado último, houve uma grande vitoriosa, Miss São Paulo, e apenas uma derrotada, Miss Brasília. Nem a primeira acreditava na vitória que o júri lhe deu, nem a segunda, delirantemente apoiada pelo público inteiro do Maracanãzinho, esperava a derrota que lhe coube”, escreveu Justino Martins, na Manchete. Anísia ficou em quarto lugar no concurso. “Começamos a namorar, ficamos casados por 25 anos e ela me deu uma filha. Hoje é minha amiga”, aponta Valdomiro de Sousa. (O Popular)

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