
A Polícia Federal fez, na última quinta-feira (8), uma operação para investigar uma tentativa de golpe de Estado. Entre os alvos, estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, militares de alta patente, quatro ex-ministros e ex-assessores do governo Bolsonaro.
A Polícia Federal cumpriu quatro mandados de prisão preventiva e 33 de busca e apreensão em nove estados e no Distrito Federal. A Operação Tempus Veritatis — que em latim quer dizer “hora da verdade” – foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes com o aval da Procuradoria-Geral da República.
A operação é um desdobramento de vários inquéritos que tramitam no STF — o principal deles, o das milícias digitais. Segundo a investigação da Polícia Federal, os alvos se dividiam em seis núcleos que agiam de forma simultânea e coordenada com objetivo de dar um golpe de Estado e impedir a posse do presidente Lula.
Logo no início da manhã, a Polícia Federal esteve na residência do ex-presidente Jair Bolsonaro em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, para apreender o passaporte dele. A defesa de Bolsonaro informou que o documento já foi entregue à PF.
Segundo as investigações, ele teria participado ativamente da tentativa de golpe para permanecer no poder. Bolsonaro está inelegível desde junho de 2023 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Foram duas condenações :
- a primeira pelos ataques sem provas ao sistema eleitoral durante reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada em julho de 2022;
- A segunda, por abuso de poder político e econômico durante as celebrações dos 200 anos da independência.
Pelas decisões, ele está proibido de concorrer em qualquer eleição até 2030.
A PF dividiu os núcleos de acordo com a atuação de cada um no suposto projeto de golpe de Estado:
Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral
Encarregado da produção, divulgação e amplificação de informações falsas sobre as eleições presidenciais de 2022. O ex-ministro da Justiça Anderson Torres é citado como integrante desse núcleo. A Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa dele em Brasília.
Outro integrante, o ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud Thomaz, seria do chamado “gabinete do ódio”. Segundo a defesa dele, Tércio estava em Angra dos Reis com o ex-presidente Bolsonaro e teve o celular apreendido.
Núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de estado
Que elegia alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. O ex-ministro da Defesa general Braga Netto, apontado como integrante deste núcleo, foi alvo de busca e apreensão, em Brasília.
Núcleo jurídico
De assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas. Neste núcleo está um dos alvos de prisão desta quinta: Filipe Martins, que foi assessor internacional de Jair Bolsonaro.
De acordo com a denúncia da PGR, foi ele quem entregou ao ex-presidente a minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Núcleo operacional de apoio às ações golpistas
A partir da coordenação e interlocução com o então ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.
Neste núcleo dos militares, foram alvos de mandado de prisão preventiva o major Rafael Martins de Oliveira, que já está preso, e o coronel Bernardo Romão Correa Neto, que está nos Estados Unidos e, segundo autoridades americanas, já se apresentou e será encaminhado ao Brasil.
Núcleo de inteligência paralela
Que coletava dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões de Bolsonaro na consumação do golpe de Estado e monitorava o itinerário, deslocamento e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da república com objetivo de captura e detenção quando da assinatura do decreto de golpe de Estado.
O quarto mandado de prisão foi para o ex-assessor especial de Bolsonaro Marcelo Câmara, citado neste núcleo. Outro integrante, o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foi alvo de busca e apreensão.
Núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos
Que se utilizando da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do golpe de Estado.
Neste núcleo, são citados o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha, e o general da reserva Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, chefe do comando de operações terrestres do Exército durante o governo Bolsonaro.
Em Brasília, os policiais também cumpriram mandado de busca e apreensão contra o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Eles foram até a sede do partido pelo qual Bolsonaro concorreu à reeleição em 2022.
Valdemar foi preso em flagrante por estar com uma arma de fogo com o registro vencido e em nome de outra pessoa.
A reportagem mostrou que, também na sede do PL, os agentes encontraram um documento com argumentos para a decretação de um estado de sítio e da garantia da lei e da ordem no Brasil. O texto estava dentro do escritório do ex-presidente Jair Bolsonaro. O texto diz:
“Para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, declaro estado de sítio e, como ato contínuo, decreto operação de garantia da lei e da ordem”.
No fim do texto, está escrita a palavra “com” e reticências. O documento não está assinado, foi apreendido e está sendo investigado pela PF.
Para a Polícia Federal fica claro que havia toda uma movimentação para o golpe de Estado, envolvendo milícias digitais, uma parte operacional e uma jurídica.
De acordo com a Polícia Federal, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, atuou na maioria dos núcleos. Em 2023, Cid fechou um acordo de delação premiada com a PF, que foi homologado pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele não foi alvo da operação desta quinta (8).
O que dizem os citados:
Em nota, a defesa de Jair Bolsonaro manifestou indignação e inconformismo. Afirmou que o ex-presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou das instituições, que Bolsonaro vem sendo alvo de repetidos procedimentos que insistem em uma narrativa divorciada de quaisquer elementos que amparassem as graves suspeitas e que, apesar de sempre se voluntariar e se disponibilizar a comparecer às convocações feitas por determinação do Supremo, teve o passaporte apreendido, uma medida que, segundo a defesa, é absolutamente desnecessária e afastada dos requisitos legais e fáticos que visam garantir a ordem pública e regular as investigações.
Sobre o documento apreendido na sede do PL, com argumentos para a decretação de um estado de sítio e da garantia da lei e da ordem no Brasil, a defesa de Bolsonaro declarou que o padrão do documento não condiz com as tradicionais e reconhecidas falas de Bolsonaro, que o conteúdo escrito depende mandatoriamente da ação conjunta de outros Poderes e que a vontade de tentar colocar Bolsonaro num cenário político que ele jamais concordou não tem limite.
As defesas do ex-ministro Anderson Torres e dos ex-assessores de Bolsonaro Tércio Arnaud Thomaz, Filipe Martins e Marcelo Câmara declararam que ainda não tiveram acesso aos autos.
O ex-comandante da Marinha almirante de esquadra Almir Garnier Santos disse que busca sempre fazer o que é certo.
As assessorias do Exército e da Marinha divulgaram notas sobre a operação desta quinta. A Marinha reafirmou que pauta sua conduta pela fiel observância da lei, da ética e da transparência e o Exército declarou que está acompanhando a operação da PF e prestando todas as informações necessárias.