
Seis meses de espera e 12 kg a menos. Cibele Aparecida de Almeida, 39, sofre diariamente com um nódulo no pescoço. Desde que percebeu os sintomas, a auxiliar de serviços gerais tenta descobrir a causa do martírio. Mas nem mesmo o ultrassom ela conseguiu marcar pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A explicação é numérica: com 20,5 milhões de habitantes, Minas Gerais é o Estado do Sudeste com o pior índice de médicos por mil habitantes, segundo pesquisa divulgada pela Associação Médica Brasileira. Um levantamento que O TEMPO conseguiu com exclusividade junto à Secretaria de Estado de Saúde mostrou ainda que alguns profissionais, como broncoesofalogista, foniatra e hansenologista, inexistem no Estado com o maior número de cidades do país.
Os dois estudos se complementam. A pesquisa “Demografia Médica no Brasil 2023” mostrou que Minas Gerais tem 2,91 médicos a cada mil pessoas. No Espírito Santo, esse índice é de 3; em São Paulo, é de 3,5; e no Rio de Janeiro, o número chega a 3,77. Esse levantamento mostrou ainda que a situação é ainda mais difícil para quem vive longe dos grandes centros. Nas capitais brasileiras, a média de profissionais a cada mil pessoas é de 6,13. Nos interiores, passa a ser 1,84, índice três vezes menor.
Quando avaliado por especialidades, o quadro se torna mais crítico. Dados levantados pela SES-MG, via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que, das 70 especialidades médicas listadas pela pasta, 18 contavam, em janeiro de 2024, com menos de cem profissionais especialistas do SUS para todo o Estado. O que no papel são apenas números, para Cibele representa uma pior qualidade de vida. Durante o período em que tenta um diagnóstico, o nódulo descoberto cresceu, e ela não consegue mais se alimentar corretamente. “O caroço está comprimindo as amígdalas. A dor é constante, a garganta dói, e sinto queimação no pescoço”, diz.
Mãe de dois adolescentes, de 14 e 15 anos, Cibele não conseguiu se afastar do trabalho: “Preciso pagar as contas, o aluguel”. Para além da condição física, a angústia se instaurou dentro da casa da mulher. “Eles (filhos) ficam assustados, só têm a mim. Eu sou a mãe e o pai deles”, completa. Cibele vai precisar se consultar com um endocrinologista, mas não faz ideia de quando vai conseguir, uma vez que o Estado tem apenas 997 especialistas da área atuando no SUS. Eles são demandados em tratamentos de doenças relativamente comuns, como hipotireoidismo e diabetes.
“Nós temos em Minas Gerais uma fila de 30 mil pessoas esperando uma consulta por oftalmologista. E isso inclui desde casos muito simples até situações que envolvem riscos para o paciente. A gente prioriza os atendimentos de urgência porque envolve risco de morte, mas, quando essa pessoa precisa de acompanhamento de algum especialista, ela fica dez anos esperando. Algumas não resistem”, afirma o coordenador de Vigilância em Saúde da Macrorregião Oeste, Alan Rodrigo da Silva.
Parte da solução passa por investimento, como explica o médico e ex-secretário municipal de Saúde de Belo Horizonte, Jackson Machado: “A maioria dos especialistas não se interessa pela carreira pública, porque a remuneração é muito aquém daquela que eles recebem na rede particular. Isso é sério, porque não há como atrair mais profissionais sem conseguir oferecer a mesma remuneração”.
Falta de patologistas trava diagnósticos
O câncer é a principal causa de morte em 115 cidades mineiras, o equivalente a 17,5% do Estado. Em 2023, 80,85 mil pessoas foram diagnosticadas com a doença em Minas, e 26,95 mil morreram pelo agravamento do câncer.
Mas a detecção do tipo de tumor para início do tratamento é um desafio em função da falta de estrutura diagnóstica. Um dos gargalos é a falta de profissionais especializados. Os dados são do levantamento Câncer Brasil feito pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, com dados do Instituto Nacional do Câncer e do Ministério da Saúde.
Quem faz a análise do material da biópsia para avaliação do tipo de tumor são os anatomopatologistas. Na rede do SUS em Minas existem 251 desses médicos. Eles precisam processar o material, colocá-lo em lâminas para depois, em um trabalho de observação por microscópios, gerar os laudos.

“É preciso, no mínimo, 48 horas até que se forme a lâmina. Depois têm outros procedimentos, como o uso de colorações que precisam de mais 48 horas. E tem uma fila a seguir. Estamos conseguindo liberar os resultados em dez dias, mas no SUS a espera chega a 70”, explica Pedro Neves, médico Patologista do Hermes Pardini e responsável técnico do serviço de Anatomia Patológica do Grupo Fleury em Minas.
Para Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, o câncer precisa ser tratado com “senso de urgência” por meio da prevenção e do diagnóstico precoce. Um avanço nesse sentido seria investir na ponta, na qualificação dos agentes comunitários. “Eles estão dentro das casas das pessoas, conhecem a rotina e podem perceber sintomas, indícios (do câncer) e orientar o paciente”.