A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância do Rio de Janeiro (Decradi-RJ) instaurou nesta quarta-feira (31) um procedimento para analisar a conduta das influencers Kerollen Cunha e Nancy Gonçalves, suspeitas de racismo. Em vídeos compartilhados na internet, mãe e filha aparecem oferecendo “presentes” a crianças, especialmente negras. Nas abordagens, elas dão a opção de os meninos e as meninas escolherem: dinheiro (R$ 5 ou R$ 10) ou o que está dentro do embrulho. No entanto, alguns desses “presentes” são: uma banana ou um macaco de pelúcia.
O caso ganhou repercussão após a advogada Fayda Belo, especialista em direito antidiscriminatório, fazer a denúncia no Instagram. “Vocês têm noção da crueldade que essas duas fizeram com essas crianças? Gente, isso precisa acabar. A gente tem que parar de dar voz na internet para racista, pra gente que animaliza corpos negros. Lugar de racista não é na internet, é na cadeia.” A advogada ainda compartilhou o link para as pessoas preencher o formulário e denunciar junto ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).
Os vídeos foram apagados dos perfis nas redes sociais da dupla. A reportagem entrou em contato, por telefone e via e-mail, com a assessoria de imprensa de Kerollen Cunha e Nancy Gonçalves, mas não conseguiu falar com os representantes das influenciadoras. Já o MPRJ informou que, “até o momento, recebeu 690 comunicações com denúncias relativas ao caso, que foi repassado para a 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada da capital fluminense, para análise do fato e adoção das medidas cabíveis.”
Para o presidente da Comissão da Promoção da Igualdade Racial da OAB-MG, Marcelo Colen, a ação das influencers pode ser configurada como racismo.“Do ponto de vista criminal, existe uma previsão que estabelece que quando os crimes de racismo são praticados com o intuito de diversão ou de recreação, a pena é ainda mais grave. Neste caso, as crianças podem estar sendo exploradas como forma de obter visibilidade e dinheiro. Essa conduta além de ilícita, é mais danosa,” explica.
O advogado destaca as penalidades para quem comete esse tipo de crime. “Além das implicações criminais, como a indenização individual e coletiva, o perfil pode ser retirado do ar, uma vez que há violações dos termos de uso da rede social. E também porque esse tipo de conduta fere a liberdade de expressão, que não pode ser utilizada para práticas de crimes e discursos de ódio.”
Como fazer a denúncia sem dar “palco” para autores
Um grande impasse quando o assunto é denunciar pessoas que cometem crimes na internet é até que ponto o compartilhamento do vídeo, da foto, ou da publicação, pode ser positivo. Isso porque, algumas pessoas no intuito de se demonstrar revoltadas com o caso ou de chamar atenção das autoridades responsáveis pela fiscalização das práticas criminosas, acabam ampliando o alcance dos autores. Prova disso, é que muitos influencers ganham ainda mais seguidores em seus perfis nas redes sociais depois de se envolver em polêmicas.
“Precisamos deixar claro que, o compartilhamento, mesmo com a intenção de denunciar o crime, pode propagar a conduta criminosa. Por isso, o ideal é que as pessoas identifiquem o perfil do denunciado, e o encaminhe para os órgãos oficiais responsáveis: polícia civil ou ministério público. Se você compartilhar o conteúdo, irá gerar mais divulgação e fazer com que os autores se tornem mais conhecidos,” enfatizou Marcelo Colen.
O especialista também ressalta que “todas as pessoas que têm ciência de conduta racistas, e que entendem suas responsabilidades de combater esse tipo de crime, devem tomar as providências que estiverem ao seu alcance para que os envolvidos sejam devidamente responsabilizados.”
Outro caso
Não é a primeira vez que as youtubers se envolvem em polêmicas e causam indignação na internet. Em 2021, as mulheres humilharam um motorista de aplicativo em um vídeo. Na gravação, a dupla dizia que o carro dele tinha “cheiro podre”. Uma das mulheres, inclusive, afirmou que o motivo era o cabelo do motorista. Após as pessoas se revoltarem, a publicação foi excluída, e mãe e filha se retrataram enfatizando que tudo aquilo era uma “trolagem”.