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A cada dez minutos, uma mulher pede medida protetiva em Minas Gerais

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A cada dez minutos, uma mulher pede medida protetiva em Minas Gerais – Fotos: reprodução

Luana, Jéssica e Katlyn. São nomes de três mulheres vítimas de relacionamentos abusivos que tomaram o noticiário recentemente. Luana, de 24 anos, foi torturada por horas pelo companheiro e, extremamente machucada, foi orientada a pedir medida protetiva na delegacia da polícia civil. Jéssica, também de 24, precisou ser internada após ser agredida a cadeiradas pelo ex-namorado e, vítima constante de ameaças, decidiu solicitar medida protetiva. Já Katlyn, de 29, foi assassinada em um salão de beleza após relatar, pelas redes sociais, uma série de ameaças recebidas do ex-companheiro. Uma morte que poderia ter sido evitada.

Os casos não são isolados. Em Minas Gerais, a cada dez minutos, uma mulher pede medida protetiva contra um agressor. Em apenas um dia, são cerca de 166 solicitações. Em uma semana, mais de 1,1 mil. E a busca por segurança cresce em escalada. De janeiro a maio deste ano, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) recebeu 23% mais pedidos de medidas protetivas quando comparado ao mesmo período do ano passado.

De acordo com os dados da PCMG, até maio deste ano, já foram registradas 25.097 pedidos por medidas protetivas. No mesmo período do ano passado, foram 20.486, quase 5 mil a menos. Na avaliação da superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Comsiv) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Evangelina Castilho Duarte, o aumento nos pedidos é consequência de um retorno à vida social após anos de pandemia da covid-19, aliado ao aumento de conhecimento das vítimas sobre o direito à proteção.

“No retorno das atividades depois da pandemia, a mulher voltou a sair de casa, a ir trabalhar fora, a receber convites da família, amigos, e ter mais contato social. Incomodado, o agressor, que é possessivo, parte para a violência física ou psicológica e, na maioria das vezes, ameaça a vida dessa mulher”, explica.

Luana*
Foi o que aconteceu com a Luana* (nome fictício). A sua agressão ocorreu depois de uma “noite tranquila” em um pagode, como a própria descreveu para a delegada Mellina Clemente, da Delegacia de Atendimento à Mulher de Contagem. Depois da festa, acompanhada do seu agressor, o namorado de 38 anos, ela foi torturada por horas por socos, chutes e golpes com uma mangueira por uma “suspeita de traição”. Foi o que motivou o pedido de medida protetiva.

“A jovem, de 24 anos, chegou na delegacia sem conseguir descer do carro, dada sua situação física. Na delegacia, nós fizemos um primeiro atendimento de acolhimento, com uma investigadora que também é psicóloga e um servidor que também é assistente social, então é uma outra visão. É o momento da vítima conhecer seus direitos e, nesse caso, a jovem escolheu pedir medida protetiva”, explica Mellina. 

Agora, o trabalho das polícias Civil e Militar, da Justiça e da rede de apoio à mulher será para amparar Luana* para que ela não volte a sofrer violência ou tenha um desfecho ainda mais grave. “Muitas mulheres ainda acreditam que as medidas protetivas são somente um pedaço de papel, sem efetividade. Mas não, 90% dos casos de feminicídio ocorreram com mulheres que não possuíam medida protetiva. Além disso, descumprir uma medida é crime”, reforça, citando um levantamento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) de 2021. 

Mulheres estão mais informadas sobre seus direitos 

Ainda de acordo com a superintendente Evangelina Castilho Duarte, o aumento de pedidos de medidas protetivas é, também, um retorno das ações de conscientização das vítimas de violência. Cada vez mais mulheres estão cientes dos seus direitos. “Essa é uma outra questão. A possibilidade de ser amparada por uma medida protetiva tem sido divulgada. A eficácia da medida passa de mulher para mulher, e elas estão mais conscientes do direito”, afirma. 

Jéssica

Jéssica Milanêz tomou sozinha a decisão de pedir medida protetiva após ser espancada em fevereiro deste ano. Em uma discussão com o ex-namorado na casa onde viviam no bairro Santa Cruz, em Contagem, ela foi agredida a cadeiradas e precisou ser internada em estado grave. Mas não foi a primeira vez. 

Como Jéssica conta, o relacionamento era conturbado e marcado por abusos psicológicos e violência física. Em uma primeira discussão, o agressor quebrou o seu nariz. “Nunca denunciei porque sempre tive medo dele. Tanto que, depois da hospitalização, reuni forças para pedir ajuda. Estou com medo de morrer”, desabafou. 

O agressor da jovem foi encaminhado para a delegacia, prestou depoimento e foi liberado. É por isso que Jéssica espera o amparo da Justiça para garantir a sua segurança, mesmo após o término. “Ele continua a me ameaçar, ameaçar minha família e meu atual namorado. Preciso de ajuda para que algo pior não aconteça”. 

Por que funciona? 

A medida protetiva pode, dependendo da necessidade de cada caso: afastar o agressor do lar ou do local de convivência com a vítima; proibir a sua aproximação e contato com a vítima, seus familiares ou testemunhas; obrigar o agressor a dar pensão alimentícia provisória; e até proteger o patrimônio, como por bloqueio de contas e indisposição de bens. 

As ações têm sucesso em proteger as mulheres quando rompem o ciclo de violência, de acordo com a delegada Renata Ribeiro, da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância (Demid). “A medida protetiva garante que a vítima não será alcançada pelo seu agressor, nem presencialmente, nem de forma remota ou por ação de terceiros. Mesmo que os dois morem juntos, por exemplo, independente de quem seja o proprietário da residência, esse agressor será afastado”, explica. Ainda, caso a vítima precise, ela pode optar por ser acolhida em um abrigo ou levada a um lugar seguro de escolha. 

Para garantir a proteção: patrulha da Polícia Militar 

Uma contribuição da Polícia Militar (PM) na rede de proteção à mulher é por meio das Patrulhas de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD). Presente em 136 municípios de Minas Gerais, só neste ano, até o dia 28 de junho, o serviço já atendeu pouco mais de 6,9 mil vítimas de violência doméstica. Em todo 2022, foram quase 54 mil atendimentos. 

Funciona da seguinte forma: uma dupla de policiais militares (com ao menos uma policial mulher) realiza visitas à vítima e ao agressor, se certificando que a medida protetiva está sendo cumprida, conscientizando sobre violência doméstica e encaminhando a mulher para os órgãos da rede de proteção do Estado. A escolha das vítimas é feita por análise (violência recorrente ou complexidade do caso) ou por recomendação da Justiça.

“Muitas mulheres, quando visitamos, não entendem ainda do que são vítimas. Há um medo também, por dependência financeira, relação com os filhos. Nós fazemos o trabalho de acolher, explicamos os tipos de violência, apresentamos os seus direitos. Por meio de um relatório para a Justiça, agilizamos a concessão da medida protetiva, em alguns casos”, explica a major Jane Calixto, chefe da Seção de Direitos Humanos da Diretoria de Operações (DOP) da PMMG. 

São de dois a três meses de acompanhamento, e o agressor não fica de fora. “O agressor é notificado quando a vítima entra no programa. Para ele, a dupla de policiais apresenta a Lei Maria da Penha para que ele tenha consciência do crime. Depois, é acompanhado com visitas para verificar se está seguindo a medida protetiva”, continua Jane. 

Por que falha? 

Mesmo com todo o aparato de proteção à mulher, ainda há casos em que as medidas protetivas são quebradas. Para a delegada Renata Ribeiro, só a medida não garante a segurança da vítima, e, por isso, é preciso de um trabalho em rede. “Não existe enfrentar a violência de uma só forma. Além da medida protetiva, é necessário todo o trabalho em rede que vai desde a conscientização até a libertação dessa vítima. É um acolhimento jurídico, psicológico, físico, precisa ser completo”, afirma. 

Katlyn

Uma mulher de 29 anos foi assassinada enquanto estava em um salão de beleza de Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte, em junho deste ano. Era Katlyn Oliveira, mãe da pequena Evellyn Jasmin, de 8 anos, que foi raptada no mesmo dia e segue desaparecida. Pelas redes sociais, Katlyn vinha denunciando há mais de um ano os crimes cometidos pelo seu ex-companheiro e as ameaças dele contra sua vida. 

Como pedir medida protetiva?

A solicitação pode ser feita na delegacia policial mais próxima ou em Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). Em Belo Horizonte, há uma unidade na Avenida Barbacena, 288, Barro Preto. Há ainda a opção de pedir pela Delegacia Virtual.

Se estiver com dúvidas sobre seus direitos e quiser receber orientação, jurídica e/ou psicossocial, procure os serviços da Defensoria Pública. 

Como denunciar violência doméstica? 

  • Denúncias podem ser feitas por meio da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (disque 180) ou do Disque-Denúncia Unificado (disque 181).
     
  • O registro da ocorrência pode ser feito na delegacia policial mais próxima ou em Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). Em Belo Horizonte, há uma unidade na Avenida Barbacena, 288, Barro Preto.
     
  • Pela Delegacia Virtual, podem ser registrados casos de ameaça, lesão corporal e vias de fato, além de descumprimento de medida protetiva. Por meio da plataforma digital, as vítimas ainda podem solicitar a medida protetiva enquanto estiverem fazendo o registro. 
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